quinta-feira, 24 de janeiro de 2002

Hoje eu não tô pra ninguém
Paulo Lima Junior

Hoje eu não tô pra ninguém.
Se o telefone tocar, bem,
Se não, melhor ainda.
Hoje eu acordei cinza
E acabei descobrindo
Que sou cobra coral –
Num dia de inverno
Meu termômetro interno
Marca frio.

Hoje eu não tô pra ninguém.
Se no meu caminho cruzar com alguém
Que me venha com palavras de conforto,
Eu, que sou um anjo torto,
Criança maldita ao me ter,
Mando tudo se foder!
Vou seguir em paz na minha tristeza.
Hoje não quero saber de beleza.
Apenas apertar o meu baseado
E seguir moído e calado
Através da minha sutileza.
Deixar me levar pela viagem
Onde só cabem na bagagem
Medo e solidão.

Hoje eu não tô pra ninguém
Porque não tenho mais saco pra ver
A vida, esta porra tacanha, acender,
Como se pudesse dizer:
“Vem, camarada,
Te espero com prêmio no fim da estrada.”
Que prêmio, que nada!
Te prepara, irmão, que na trilha
Tudo é enganação –
Vais levar é muita porrada!

Hoje eu não tô pra ninguém.
Não se aproxime com papo furado
Que hoje eu sou barco afundado,
Que hoje eu sou chão rachado,
Que hoje eu sou pão mofado,
Que hoje eu sou vidro estilhaçado.

Hoje eu não tô pra ninguém.
Vou apenas seguir
Pra onde tenho que ir
Com o coração moído e calado...

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