De oscilações de humor e outras coisas
Ou como diria Mãe Camila "hay una vida mejor, pero es carisima"
Hoje levantei como todos os dias, com raiva e tristeza de ter que levantar cedo. Acordo uns 10 minutos antes do relógio tocar e fico esperando. Desligo e fico mais uns 10 na cama pensando se levanto e toco a vida ou se cubro a cabeça e durmo de novo. Sempre levanto. Daí começo meu ritual, meu balé do corpo diário, minha coreografia matinal. Ando até o banheiro, acendo as duas luzes, faço xixi e depois me olho no espelho. Minha cara tá inchada e eu vejo os pêlos que não deveriam existir com maior facilidade. Pego uma pinça e dou uma guaribada na sobrancelha e no buço. Escovo os dentes e ligo o chuveiro. Fecho a porta do banheiro e sempre lembro que esqueci alguma coisa. Xingo um palavrão, minha primeira palavra do dia, e vou pegar o que faltou. Volto ao banheiro, fecho a porta. Entro no box de chinelos porque tenho nojinho de pisar em chão de box, seja qual for o box. Tomo meu banho muito quente, melhor parte do dia. Desligo o chuveiro meio chateada de não poder ficar mais, enrolo o cabelo naquela espécie de touca atoalhada e me seco com minha toalha preta que me deixa cheia de pelinhos pretos colados no corpo. Penduro a toalha e visto meu roupão branco, que vai pegar pra ele os pelinhos. Abro a porta me sentindo uma desgraçada e volto ao quarto. Deito na cama e fico pensando se vou mesmo trabalhar ou se durmo de novo, apesar do cabelo molhado. Me acho uma desgraçada e levanto. Abro a janela pra entrar luz natural no quarto e algum ânimo na minha vida. Tiro a touca atoalhada da cabeça e penteio o cabelo, pra não ficar empenado. Abro meu armário e escolho uma roupa. Vai ser uma merda de roupa de qualquer jeito porque ninguém é feliz ou bonito de manhã. Tiro o roupão, coloco desodorante e visto a merda de roupa. Vou pra cozinha, ainda de chinelos. Ligo a cafeteira e coloco o pão na torradeira ou na sanduicheira, dependendo do tipo de queijo disponível. Volto ao quarto. Dou uma ajeitada no cabelo, calço o sapato, escolho bijuterias e confiro minha bolsa pra ver se não esqueci nada. Volto a cozinha e tomo café. Boto a louça suja na pia. Volto ao quarto. Olho o relógio. É claro que estou atrasada. Me olho no espelho, passo um batom e penso "pra quem é bacalhau basta". Cato o celular e coloco na bolsa. Desplugo as tomadas (nem sei bem por que) e fecho a janela. Largo a bolsa em cima da mesa da cozinha e vou ao banheiro escovar os dentes. Me irrito porque não há tempo pra escovar os dentes com a minúcia que eu gostaria. Uso o enxaguante bucal, xingo um pouco a vida, faço um último xixi e fecho o registro da água (também não sei por que, apenas mania). Pego a bolsa, abro a porta, olho pra trás pensando "qual será a merda imprescindível que esqueci hoje?", apago a luz e saio de casa com pena de mim mesma.
Chamo o elevador torcendo pra ele vir vazio e eu não ter que dar "bom dia" pra um desconhecido quando certamente não é um bom dia. Desço e digo "bom dia" para o porteiro com o melhor sorriso de plástico que consigo simular. Gosto dos porteiros do meu prédio, sou sempre muito simpática com eles. Coloco os óculos escuros e saio do prédio e caminho até o ponto. Sempre há lama no caminho e pessoas esquisitas. Sorrio genuinamente para a gatinha de uma loja na esquina, ela tá sempre na porta olhando o movimento. Ela é tigradinha e usa coleira. Quase todas as lojas das imediações têm gatos, isso faz feliz. Chego no ponto e espero, mas nunca demora muito. Subo no ônibus xexelento e dou "bom dia" para o motorista e o cobrador. Sento em alguma janela e vou olhando as ruas mal-cuidadas. Quando o ônibus entra na Avenida Presidente Vargas deixo de olhar e apenas penso, porque a paisagem é desagradável. Sinto raiva quando ele chega na Avenida Brasil e volto a olhar pela janela, com raiva de tudo e todos. Desço na passarela devida. Sempre é desagradável, sujo e lamacento. Há vendedores de todo tipo de lixo, cães imundos e perebentos, pessoas mal-educadas e mal-cheirosas. Atravesso a passarela desgraçada e desço no ponto do outro lado, que cheira a mijo. Freqüentemente há policiais com armas em punho. Passo e entro na portaria, onde o segurança mal-educado me olha com olhar de superioridade. Ele pensa que é gente porque veste um uniforme marrom e tem uma arma velha na cintura. Dou bom dia pra ele, embora seja um péssimo dia e eu queira que ele tenha um dia pior ainda. Há cãezinhos fofos deitados perto de cada segurança. Atravesso a entrada para carros e sigo. Acho indigno os pedestres ficarem em segundo plano. Gente sempre deveria ser mais importante do que automóveis. Subo a ladeira de calçamento irregular que leva até o prédio feio e triste onde trabalho. Freqüentemente há lama. Subo as escadas pisando firme e com raiva. Com sorte, nenhum maluco me abordou no caminho querendo falar da vidinha de merda dele.
Ando alguns metros e alcanço a porta da minha sala. Ufa. Bato os pés no tapete e aciono a maçaneta. Abro a porta e entro. Alguém me diz "Bom dia" e eu respondo "Olá". Respondi "bom dia" nos três primeiros meses, agora que já fiz quatro meses respondo apenas "olá", sabe lá o que responderei depois de um ano. Caminho até a minha mesa, deixo bolsa sobre ela, ligo o computador e, enquanto espero a tela de login, olho em volta os cálega. Respiro fundo e até melhoro. Felizmente, eu gosto do meu trabalho e dos meus companheiros de repartição. Se alguém tiver feito café, eu até sorrio. Daqui a cerca de meia-hora já estou sociável, pois eles são simpáticos e agradáveis. Sempre há piadas e brincadeiras. Eu sento perto dos desenvolvedores, eles são engraçados com aquele senso de humor masculino heterossexual ortodoxo. Eles sempre me oferecem biscoito, me mostram vídeos de seus cachorros no celular, falam de suas famílias. São meninos legais. As jornalistas, todas mulheres, ficam do outro lado da sala. São legais também, mas são jornalistas, sabe como é. Se não tiver nenhuma reunião agendada, depois do almoço a vida é até bela e eu esqueço como foi a manhã. Em breve vamos mudar de sala, acho que vou pedir pra continuar perto dos meninos.
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