domingo, 7 de junho de 2009

Tristeza infinita II

Fui avisada no celular pelo pessoal do trabalho dele, pois não tinham o contato do pai e sabiam que minha irmã não é uma pessoa para quem se dá uma notícia dessas. Até então só sabíamos que o Naldinho tinha levado um tiro e tava em uma clínica em Vaz Lobo. Eu liguei pro pai dele pra avisar. Como se diz para um pai que o filho dele levou um tiro? Não sei, mas eu disse. Eu adoro meu cunhado mas tive que dizer isso pra ele.

Atordoada, saí do trabalho e peguei um táxi pra tal da Climed. Tudo engarrafado, não sabia que Vaz Lobo era tão distante, afinal eu já tava na Av. Brasil. No caminho, ia tentando obter notícias por celular. Meu coração tava tão apertado pelo rapaz, que eu conhecia desde criança, como pelo pai dele, dirigindo sozinho pra lá sem saber se o filho tava vivo.

Quando cheguei na clínica, meu cunhado e Mendonça já tavam lá. O rapaz tinha sido transferido pro Hospital Getúlio Vargas há alguns instantes. A repórter, com quem trabalhei, tinha ido à delegacia prestar depoimento. Deixei Mendonça cuidando dos trâmites burocráticos e fui pro HGV com meu cunhado. Tivemos uma crise de choro abraçados, mas recobramos o prumo, pois havia muita coisa a fazer.

Ligamos pro irmão do meu cunhado, que tava fora da cidade e voltou imediatamente. Do HGV avisamos à mãe e irmã do rapaz. Combinamos não avisar à minha mãe, a avó e a bisavó do Naldinho, pois todas têm mil problemas de saúde e iam passar mal, deixaríamos pra dizer que tava tudo bem, pra falar pessoalmente quando voltássemos pra casa. Nosso medo era que a imprensa noticiasse e elas soubessem pela TV. Para não ficar expostos à curiosidade alheia, levamos todos para a cantina do hospital, aguardando notícias entre um café e outro.

Desde que cheguei na clínica em Vaz Lobo, de alguma maneira eu sabia que ele não ia resistir, mas não queria admitir. Eu me forçava a ter esperança e me enganar que ele ficaria vivo, que ele sobreviveria. Era um rapaz jovem e forte. No HGV, a cada notícia contraditória dos médicos, mais eu me enganava que ele ia sobreviver, ao mesmo tempo que no fundo mais eu sabia que ele não ia sobreviver.

A cada parente que chegava e eu ia buscar do lado de fora do hospital antes que fossem abordados pelos repórteres, eu sentia uma vergonha e uma culpa infinitas e irremediáveis, pois no íntimo me sentia responsável e achava que cada um me olhava sabendo que a culpa era minha.

Depois da notícia que havia terminado a segunda cirurgia e ele ia ser transferido pro CTI cheguei a respirar aliviada. O chefe do plantão da noite chamou Mendonça. A conversa demorou. Eu tentava tranquilizar a família, mas tava gelada e com dor no estômago. Quando Mendonça chegou e me chamou num canto, eu soube. Quando Mendonça segurou meus braços sem dizer nada por instantes infinitos, eu soube. Mas enquanto ele não disse, não me permiti acreditar. Chamei o tio e falei, levei pra conversar com o médico. Não tive coragem de dizer para os pais. Chamei os pais e levei para a sala do médico, saí e fechei a porta. Eles que contassem, disso eu não tive coragem. Do lado de fora a notícia se espalhou e pelo choro todos ficaram sabendo.

Tive que tirar todos do local, pois o corpo ia passar por ali. Levei todo mundo pra sala de informações, que é envidraçada. A imprensa filmando do lado de fora. Precisamos contar logo para as avós. Preciso tirar eles desta vitrine. Fui ver se o corpo já tinha passado pra gente voltar pra cantina. Tava passando. Esperei alguns instantes pra ter certeza que eles não veriam nada e os trouxe de volta pra cantina. Enquanto isso, Mendonça se informava quais os próximos passos. Precisávamos aguardar a liberação do corpo no hostitap e a 27DP mandar o rabecão para levar o corpo pro IML. Aconselhamos à família ir pra casa que nós resolveríamos tudo.

Mendonça cuidou desta parte. Um périplo por formulários, papéis e salinhas sujas e sórdidas onde se assinava livros ensebados e se ouvia pérolas. Mendonça disse que se sentiu o Waldomiro Pena, lidando com aquele emaranhado burocrático de inspetores e barnabés.

Ao lado da cantina, fui tentar telefonar pra minha mãe, pra dizer que ela não se preocupasse, pois minha irmã tava comigo. Também tentei enviar um torpedo para O Orientador, com quem eu ia viajar e dei um perdido. Meu celular Claro não pegava lá, tentei subir um pouco mais a ladeirinha e tive o desprazer de ver o rabecão com as portas abertas e os corpos dentro. Em uma daquelas caçambas estava ele.

3 comentários:

Carol disse...

Roberta, sinto muitissmo pela tua perda. E não se sinta culpada. Infelizmente, hoje em dia o simples fato de viver é um risco.

Eugenia disse...

Amiga, seu relato é tão vívido q estou profundamente triste. Mesmo sendo uma pessoa q ñ conheci. Acho q é isso o resto de humanidade q nos resta.
Triste por ver uma amiga tão qrida como vc assim, triste pela cidade q virou esse inferno, triste por saber q as chances de a investigação dar em algo é mínima...

Flavia Lima disse...

Não se sinta culpada, Roberta.